Eficiência energética e conforto ambiental em edifícios

A escolha dos materiais da envoltória e os sistemas utilizados deve considerar as condições climáticas e a tipologia da construção para que se garanta um melhor desempenho à edificação


Você sabe o que é um prédio eficiente? Eficiência é o poder de ser abrangente. Mas, abrangente em quê? Existem cinco grandes grupos principais de guias internacionais de Construções Sustentáveis, tais como Green Globes, LEED, AQUA, BREAM, PBE EDIFICA entre outros, nos quais define-se um prédio eficiente. São eles: Eficiência da água; Energia e atmosfera; Materiais e recursos; Qualidade de ambiente interior e Materiais e recursos, envoltórias e condicionamento de ar.

Quando se fala de arquitetura, é possível listar uma série de atributos de eficiência do edifício e do ambiente construído. Entre eles, pode-se elencar eficiência energética e conforto ambiental, especificamente adequação térmica, lumínica e acústica do espaço em relação às atividades a serem desenvolvidas em seu interior.

A escolha de materiais para envoltória e os sistemas utilizados em uma edificação deve considerar as condições climáticas e a tipologia da edificação para que se garanta um melhor desempenho térmico e energético, sem detrimento das condições de conforto e qualidade do ar interior para os usuários. Alguns exemplos são: vidros com baixo fator solar - FS -, dimerização do sistema de iluminação acoplado com definição correta de tamanho das aberturas, sistemas de distribuição de ar adequados à ocupação, sistemas de recuperação de calor e tratamento dedicado de ar externo, entre outros.

Os materiais são eficientes em relação a algum atributo ou propriedade específica. Vidros de controle solar, por exemplo, são eficientes em reduzir carga térmica; em contrapartida, possuem menor eficiência em termos de transmissão luminosa, podendo não favorecer o aproveitamento de iluminação natural a depender do projeto.

O concreto pode auxiliar a inércia térmica de um edifício, favorecendo o equilíbrio de temperaturas entre o dia e a noite em climas com variações térmicas diárias mais elevadas, mas podem tornar um ambiente frio e úmido, se as aberturas da arquitetura não estiverem posicionadas corretamente em relação ao sol.

O fato é que materiais eficientes são parte importante da equação de eficiência termoenergética e de conforto para um edifício eficiente, mas, antes disso, deve vir a habilidade de o arquiteto fazer as escolhas adequadas e equilibradas para o conjunto partido arquitetônico + clima + tipologia de uso e ocupação + materiais e sistemas construtivos.

O potencial de redução de consumo energético varia com as características da arquitetura, clima, tipo de ocupação e eficiência dos sistemas ativos, com destaque para o ar-condicionado e iluminação artificial.

Melissa Cacciatori, arquiteta e urbanista, especialista em Eficiência Energética e Conforto Ambiental de Edifícios, pesquisadora na BEM+arch e consultora em Conforto Ambiental no CTE, relata que, em seus estudos com simulação, com uma arquitetura referencial de edifício de escritórios, com área de pavimento tipo de 1.000m², 20 pavimentos tipo, localizado na cidade de São Paulo, persianas com face externa aluminizada e controle automatizado de persianas e iluminação artificial na área periférica do pavimento, foi possível alcançar uma redução de 14% no consumo do ar-condicionado (resfriamento) e de 7% no consumo total em relação a um edifício sem estes controles. “Esses resultados foram obtidos para um modelo com vidro laminado de controle solar, com fator solar de 42%. Quanto maior o fator solar, maior o impacto potencial das persianas em redução de consumo e carga térmica, assim como outras estratégias de proteção solar”, declara.

Outro dado interessante, trazido pelo engenheiro mecânico e professor associado da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), Alberto Hernandez Neto, é que “as reduções de consumo de energia associadas aos materiais da envoltória podem variar de 5 a 15%, dependendo das condições climáticas e tipologia da edificação, em relação a uma edificação convencional”.

No Brasil, os investimentos em adoção de materiais mais eficientes voltados ao mercado de edificações novas têm crescido, porém o mercado de edificações existentes ainda permanece carente de recursos para melhorias de seu desempenho.

Avaliação de fachadas e persianas

A arquiteta Melissa Cacciatori realiza uma pesquisa de doutorado sobre avaliação simultânea de eficiência energética, conforto ambiental e viabilidade econômica de fachadas de edifícios de escritórios. Em seu trabalho, persianas automatizadas são consideradas como elementos de fachada, a medida em que se configuram como dispositivos para o controle dinâmico de incidência de radiação solar direta e potencial de ofuscamento por excesso de iluminação natural. “Para incluir este dispositivo nos meus estudos de fachada, no qual avalio também o impacto de vidros, elementos de proteção solar externo, tais como brises, percentual de área transparente na fachada e sua relação com área de piso do pavimento, me aprofundei no estudo de simulações de persianas automatizadas”, conta.

Esse sistema pode impactar o consumo energético do edifício, primeiramente, pelas propriedades combinadas de transmissão e reflexão solar e de luz dos materiais do sistema vidro + persiana. Depois, a automação entra como uma garantia de que a persiana será operada no momento necessário para proteger do calor e luz excessivos, e abrir nos momentos em que é possível aproveitar a iluminação natural, sem potencial desconforto térmico ou lumínico.


Projeto LGF - Arq.: Moema Wertheimer – Persianas em ação contra iluminância excessiva diretamente relacionada ao potencial de desconforto visual.

Imagens: Uniflex Persianas e Cortinas

Melissa explica que o desenvolvimento de padrões de operação manual de persianas têm sido pesquisados na academia, mas no momento, não é possível prever como será o desempenho de persianas por simulação sem a automação do controle. “Um ocupante poderá fechar a persiana durante um momento de desconforto visual pela manhã em uma fachada leste, e não a abrir novamente no período da tarde. Se houver um sistema de dimerização das luminárias próximas à fachada neste edifício, a luz natural deixará de ser aproveitada nesta fachada, perdendo-se a oportunidade de economizar energia com iluminação artificial. Outro exemplo: se a persiana for mantida aberta no final de semana durante o dia, sem ocupação, ela não vai proteger do ganho de calor que se acumulará para o início da operação na segunda-feira”, informa a arquiteta.



Projeto LGF - Arq.: Moema Wertheimer – As persianas protegem os postos de trabalho da incidência de radiação solar direta, que causa desconforto térmico e visual.

Imagens: Uniflex Persianas e Cortinas

Outro estudo realizado por Melissa e sua equipe aconteceu por meio da utilização do Energy-Plus, uma ferramenta robusta de simulação termoenergética de edifícios. Na primeira etapa de desenvolvimento, foi elaborado um controle customizado de persianas – que não é nativo do software –, o qual permite o posicionamento gradual e dinâmico das persianas, conforme a posição do sol, que varia ao longo do dia, e o nível de iluminância externa.

Os controles existentes no software fazem operação ON-OFF, ou seja, ou totalmente aberta ou totalmente recolhida. O controle customizado é baseado no algoritmo da SOMFY, e foi selecionado por ser um produto disponível no mercado brasileiro para aplicação prática. “Com este controle modelado, foi possível aferir os impactos da estratégia de controle solar dinâmico por meio das persianas automatizadas, com base em um tipo de controle efetivamente disponível em nosso mercado”, revela a especialista.

O estudo possibilitou destacar a necessidade de se estabelecer uma metodologia específica para avaliação do sistema de fachada, com indicadores e referenciais orientados para este objetivo. Demonstrou-se também a importância de uma especificação técnica conjunta, do sistema vidro-persiana, neste caso, caracterizada pelo tecido constituinte da persiana tipo rolô. De acordo com Melissa, o mercado brasileiro ainda tem um caminho a ser percorrido para que os investimentos em estratégias ativas de eficiência para fachadas, tais como persianas automatizadas, recebam maiores investimentos. “Na minha visão, tudo começa na pesquisa, na avaliação criteriosa dos benefícios e na divulgação técnica dos estudos desenvolvidos. Podemos afirmar que nosso mercado precisa de informação e formação mais aprofundada, mas ao mesmo tempo mais objetiva, para apoiar processos de decisão em projetos com objetivos de eficiência energética e conforto”, justifica.

Como forma de apresentar sua pesquisa e resultados ao público, Melissa Cacciatori fará a palestra “Redução de Consumo Energético a partir de Persianas Automatizadas: Estudos com Simulações em Energy-Plus”, durante a 17ª edição do Congresso Habitar, com transmissão ao vivo, pela internet.

Qualidade do ar interior

A indústria de Green Buildings tem crescido significativamente nos últimos 13 anos (3.500 empreendimentos em processo de certificação ambiental) e, junto a este crescimento de edificações sustentáveis e com certificação ambiental, as tecnologias para alcançar estes altos requisitos tiveram de ser desenvolvidas e implementadas simultaneamente.

Walter Rolando Lenzi, engenheiro de controle e automação e vice-presidente regional de Atividades Estudantis da Região 12 (Flórida, Caribe, América Central e do Sul) na American Society of Heating, Refrigerating and Air-Conditioning Engineers (ASHRAE) explica que um edifício eficiente é aquele que consegue economizar energia e água ao mesmo tempo, além de possuir ótima qualidade ambiental interna e oferecer uma permanência saudável a seus ocupantes. “Com a experiência da pandemia, ficou claro que a qualidade do ar interior (QAI) é tanto ou mais importante do que economia de energia ou água à nossa saúde e às nossas vidas”, comenta.

Dutos e sistema automático de controle de CO2 para insuflamento de ar exterior nos ambientes ocupados para melhorar a QAI e a prevenção de doenças à saúde dos ocupantes em edifício, em São Paulo.



As normas internacionais da ASHRAE 90.1, 62.1, 55.1 são uma base importante das normas ABNT referentes à qualidade do ar interior e à eficiência energética. “A norma 90.1 classifica materiais de construção civil, como vidros para fachadas e compara as características técnicas. O apêndice G dessa norma explica como se realizam as simulações computacionais de edifícios”, afirma Lenzi.

A qualidade do ar interior está intimamente ligada ao conforto ou ao bem-estar do ocupante, ou seja, a sua percepção no ambiente habitado. Debruça-se não só na componente química da composição do ar, mas igualmente em sua composição bacteriológica.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS 2020), a má qualidade do ar interior causa efeitos na saúde das pessoas, considerando que elas passam, em média, 90% do tempo em ambientes climatizados (habitações, trabalho, escolas, espaços comerciais, transporte etc.) e que as concentrações de poluentes em ambientes interiores, dependendo das condições, podem ser superiores à dos ambientes exteriores.

Pode-se então afirmar que a má qualidade do ar interior de um edifício constitui um risco para a saúde dos ocupantes, o qual está associado à existência de fontes poluentes que contribuem para degradar a qualidade do ar interior. As principais fontes de poluição existentes no interior dos edifícios estão relacionadas com características do próprio edifício, de sua ocupação e associadas à sua utilização.

Alguns exemplos são:

ü  Má concepção dos edifícios;

ü  Ventilação inadequada, muitas vezes, devido ao fato de não se abrirem as janelas e não se dispor de tomada de ar externo com filtragem adequada;

ü  Escolha inadequada do local de tomada de ar exterior com deficiente filtragem do ar;

ü  Falta de manutenção e limpeza de todos os componentes do sistema de ar-condicionado (filtro, serpentina, bandeja do condensado, dutos e difusores etc.);

ü  Presença permanente de fontes de contaminação como plantas, fotocopiadoras.

ü  Condições de conforto térmico inadequadas.

 

(Fonte: ABRAVA)

O tema “Edifícios Eficientes: A Qualidade do Ambiente Interior e como Obter Eficiência Energética” também será abordado no XVII Congresso Habitar, em palestra a ser ministrada pelo engenheiro Walter Lenzi.


Edificações Energia Zero

Edificações Energia Zero (ou Zero Energy) são aquelas que produzem energia renovável no mesmo nível (ou acima) do montante que a edificação consome.

Para tanto, é importante que a edificação passe por um processo de redução de consumo de energia para que a instalação dos sistemas de geração de energia seja economicamente viável.

O engenheiro Alberto Hernandez Neto orienta que a escolha de materiais da envoltória deve ser feita de forma a auxiliar na melhoria do desempenho energético e térmico da edificação, a fim de que ele contribua para atingir a condição de Energia Zero. “A escolha dos materiais pode contribuir para que a edificação se torne Energia Zero, desde que esta escolha leve em consideração as condições climáticas e a tipologia da edificação”, explica.

O uso de isolamento térmico e/ou de revestimentos deve ser definido de forma integrada com os demais sistemas da edificação, para que esta escolha efetivamente contribua para atingir a condição de Energia Zero. “Esta escolha pode se apoiar-se na aplicação de ferramentas de simulação para permitir avaliar o impacto de cada alternativa possível dos materiais da envoltória para atingir a condição de Energia Zero”, observa. 


Centro SEBRAE de Sustentabilidade (Cuiabá, MT), exemplo de construção Energia Zero já em operação.

A tendência de edificações de Energia Zero está crescendo por meio de ações governamentais, que estão incentivando o retrofit, o projeto e a construção de edificações Energia Zero em função do impacto das mudanças climáticas. Para a viabilidade deste tipo de edificação, exige-se investimentos tanto do governo quanto do setor privado.



Centro de Inovação de Construção Sustentável (CICS-USP), em São Paulo, futuro Energia Zero, que ainda será construído.

O tema será abordado no XVII Congresso Habitar, durante a palestra “Edificações Energia Zero: Desafios e Perspectivas”, a ser ministrada por Alberto Neto, na qual serão abordados os conceitos e definições de edificações Energia Zero. Além disso, serão apresentadas as principais estratégias que podem ser usadas para se atingir a condição de edificação Energia Zero, bem como estudos de casos de edificações de energia Zero no exterior e no Brasil.

Garantia de eficiência e sustentabilidade para edificações

Cresce a procura por certificações nacionais de edifícios, que consideram as regionalidades e a liberdade de definição de estratégias a cada local, bem como contribuem para a diferenciação dos mais eficientes  

O mercado de certificação de sustentabilidade na construção civil tem crescido nos últimos anos e há diversos motivos associados, sendo que um dos principais é o aumento gradual da consciência coletiva sobre a urgência da preservação do meio ambiente e de recursos naturais.

Além de investir em desenvolvimento sustentável, é necessário prezar por aspectos sociais e econômicos, o que afeta tanto as empresas, que buscam se desenvolver nessa vertente, quanto o consumidor, que tem adotado hábitos de consumos mais responsáveis e conscientes.

Por conta desse crescimento do nível de exigência dos consumidores, as instituições de financiamento estão se tornando mais exigentes também, e os empreendedores estão investindo no desenvolvimento sustentável de suas atividades. Por outro lado, os governos passam a incentivar e a oferecer benefícios aos empreendimentos que consigam comprovar a sustentabilidade (a exemplos de descontos de IPTU e/ou outorga onerosa, por exemplo), e até mesmo, em alguns casos, exigir como obrigação, como é o caso da compulsoriedade de etiquetagem de eficiência energética de edifícios públicos federais, vigente desde 2014.

Nesse cenário, a certificação de edifícios é essencial, já que contribui para a diferenciação entre as construções e fornecedores no mercado, pois, apenas a “olho nu”, ou ainda, somente pelo fato de se olhar para um edifício, é impossível dizer se ele é mais ou menos sustentável do que outro, porque é necessário avaliar muitos aspectos relacionados a projeto, obra e produto.

Muito se fala em certificação de âmbito internacional, tal como a Leadership in Energy and Environmental Design (LEED), por exemplo, que é voltada para construções sustentáveis, concebida e concedida pela organização não governamental United States Green Building Council (USGBC), porém as certificações brasileiras têm sido cada vez mais valorizadas e ganhado procura e investimentos expressivos.

O arquiteto e urbanista, também gestor técnico adjunto do PBE Edifica da Fundação Vanzolini, Gabriel Bonansea de Alencar Novaes, conta que o Brasil possui um mercado de construção civil bastante completo, com uma vasta experiência e grande tradição construtiva. “É um mercado grande e pujante, com muita experiência e conhecimento para fornecer ao próprio País e ao mundo. Temos notáveis empresas no segmento, excelentes laboratórios com desenvolvimento nas áreas de sustentabilidade e eficiência energética na construção em grandes universidades brasileiras e um amplo histórico de vanguarda e desenvolvimento em vários aspectos da construção”, declara.

Segundo ele, um ponto importante a ser destacado é o fato de o Brasil ser tipicamente tropical, com clima e tradições construtivas diferentes dos de países norte-americanos e europeus, onde a maior parte das certificações foi desenvolvida, demandando aspectos específicos de avaliação e análise e indicadores de desempenho das edificações. “Ainda somos um país imenso e complexo, com várias regionalidades que diferem entre si em clima, legislação local, disponibilidades e aspectos de materiais e produtos construtivos, exigências do mercado imobiliário etc., e com isso pode haver também diferenças nas estratégias arquitetônicas e de desempenho a serem adotadas, pois, naturalmente, uma determinada estratégia bioclimática pode ser eficiente para uma região, mas não para outra”, explica o especialista.

Ele ainda afirma que esse é o grande trunfo das certificações brasileiras, que enxergam com maestria as regionalidades e a liberdade de definição de estratégicas bem adaptadas a cada local a serem definidas pelo empreendedor. “Vemos que a criação e a adaptação das certificações ao cenário brasileiro traz muitos benefícios ao considerar os vários aspectos que regem o mercado da construção no nosso país: climáticos locais, tradições construtivas locais, normas térmicas brasileiras, regulamentos e legislações nacionais, programas ambientais e de construção existentes no Brasil, como por exemplo, o Procel e o PBE Edifica, materiais e sistemas construtivos tipicamente utilizados e disponíveis no País, programas de etiquetagem de equipamentos e produtos, entre várias outras questões”, enfatiza.

As certificações em âmbito nacional trazem em seus manuais e regulamentos técnicos dados e índices comprobatórios de cunho científico e análises que compreendem método prescritivo e de simulação das edificações, como cálculos da envoltória do edifício, iluminação e condicionamento de ar. “As certificações nacionais são fundamentais para empresas que querem melhorar seus processos, principalmente em projeto eficiente e ganhar destaque em cenário nacional e internacional”, destaca Aurea Vendramin, PhD em Eficiência energética e Energia Renovável, arquiteta, urbanista, engenheira civil e curadora da Associação Brasileira de Automação Residencial e Predial (Aureside).

A certificação assegura a qualidade de um serviço ou produto por meio de uma terceira parte, ou seja, por uma instituição capaz, isenta e independente, o que garante ao consumidor o direito de saber o que está adquirindo. “No momento em que o consumidor tem acesso à informação da qualidade de um produto, ele passa a ter a opção de escolha. E o mercado disputa justamente esta escolha do consumidor. Então, se pensarmos em termos da etiqueta de eficiência energética, ao ter acesso ao consumo de energia de determinado produto, o consumidor pode fazer sua escolha consciente”, declara Antonio César Silveira Baptista da Silva, arquiteto, mestre e doutor em Engenharia e professor titular da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

Ao optar pelo bem que lhe oferece menor consumo e vantagem econômica ao longo do tempo, o consumidor cria no mercado uma concorrência saudável por maior eficiência energética. “Se pensarmos, então, na eficiência energética das edificações, a concorrência e a necessária adequação às regulamentações de eficiência energética movimentarão toda a indústria da construção civil. E este avanço não se restringirá a produtos e componentes melhores, nem a profissionais mais bem capacitados, mas avançará sobre técnicas construtivas mais sustentáveis, que reduzam o desperdício e possibilitem construções melhores e competitivas financeiramente”, justifica Antonio César Silveira Baptista da Silva.

Os benefícios da certificação nacional podem variar conforme a estratégica ambiental adotada e as medidas implementadas em cada empreendimento. Contudo, em linhas gerais, podem ser destacadas da seguinte forma:

MEIO AMBIENTE

USUÁRIO

EMPREENDEDOR

Menor demanda sobre a infraestrutura urbana

Economias de água e energia

Provar a Alta Qualidade Ambiental de sua edificação

Menor impacto à vizinhança

Menores custos de condomínio

Diferenciar portfólio no mercado

Redução de resíduos e valorização

Melhores condições de conservação e manutenção da edificação

Aumentar a velocidade de vendas

Menor demanda de recursos hídricos e energéticos

Melhor qualidade de funcionamento dos sistemas da edificação

Manter o valor do patrimônio

Redução das emissões de gases de efeito estufa e poluentes

Maior valor patrimonial

Melhorar a imagem da empresa

Gestão de riscos naturais e tecnológicos sobre solo, água, ar etc.

Melhor qualidade de vida

Melhorar relacionamento com órgãos ambientais e comunidades

 

 

Economizar recursos nas obras e na operação

Certificações nacionais em alta

Conforme descrito anteriormente, as certificações trazem critérios associados à eficiência energética, economias de água, energia e recursos, gestão de resíduos de obra e de operação, facilitação da manutenção e da conservação da edificação, melhoria da relação do edifício com o entorno e redução de seus impactos sobre o entorno, melhoria das condições de higiene, salubridade e conforto dos usuários, entre outros que visam a eficiência energética e a sustentabilidade.

No Brasil, foram desenvolvidas certificações importantes, que norteiam os parâmetros de construção e desempenho, levando em conta os aspectos regionais de cada empreendimento. Uma delas é o Programa Brasileiro de Etiquetagem de Edificações (PBE Edifica) do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), em parceria com a Eletrobras Procel, o qual ganhou notoriedade e se fincou como o programa oficial nacional para a etiquetagem de eficiência energética de edificações.


Atualmente, o País possui mais de 4.700 etiquetas emitidas pelo PBE Edifica.


O Programa Nacional de Conservação de Energia Elétrica (Procel) promove o uso racional da energia elétrica em edificações desde sua fundação, sendo que, com a criação do Procel Edifica, as ações foram ampliadas e organizadas com o objetivo de incentivar a conservação e o uso eficiente dos recursos naturais (água, luz, ventilação etc.) em edificações, reduzindo os desperdícios e os impactos sobre o meio ambiente.

O consumo de energia elétrica em edificações corresponde a cerca de 45% do consumo faturado no País. Estima-se um potencial de redução desse consumo em 50% para novas edificações e de 30% para aquelas que promoverem reformas que contemplem os conceitos de eficiência energética. “Para obter o Selo Procel Edifica, recomenda-se que a edificação seja concebida de forma eficiente desde a etapa de projeto, ocasião em que é possível obter melhores resultados com menores investimentos, podendo chegar a 50% de economia em energia, água, gás. Bom para o empreendedor, bom para o usuário final e muito melhor ao Planeta”, frisa Aurea Vendramin.

As etiquetas podem ser obtidas para edificações comerciais, de serviços e públicas e residenciais. Para as edificações residenciais, pode ainda ser de três tipos: unidades habitacionais autônomas (casas ou apartamentos), edificações multifamiliares e áreas de uso comum.

Em edifícios comerciais, de serviços e públicos são avaliados três sistemas: envoltória, iluminação e condicionamento de ar. Já em unidades habitacionais, são analisados a envoltória e o sistema de aquecimento de água.

Os Selos são emitidos pela Eletrobras após a avaliação realizada por um Organismo de Inspeção Acreditado (OIA) pelo Inmetro, com escopo de Eficiência Energética em Edificações (OIA-EEE).

Aurea conta que, atualmente, o País já possui mais de 4.700 etiquetas emitidas pelo PBE Edifica, incluindo edifícios comerciais, residenciais, universidades entre outros, e que nos últimos anos tem havido um aumento de procura considerável por certificações nacionais de edifícios. “Muita certificação. O cliente espera morar em um local eficiente e que tenha custos menores de energia e água, e com o Selo Procel Edifica, ele sabe que terá esse benefício”, salienta a arquiteta.

Outra muito importante para os edifícios é a Certificação AQUA-HQE que, apesar de ser internacional, foi adaptada à cultura, clima, regulamentações e normas brasileiras, e manteve os indicadores de desempenho internacionais para alta qualidade ambiental de produtos da construção civil e do mercado imobiliário. Ou seja, de empreendimentos em construção (incluindo edifícios, bairros e loteamentos, infraestruturas, projetos de interiores etc.) e de empreendimentos em operação (edifícios em operação, condomínios etc.). Trata-se, portanto, de uma certificação da construção ou da operação sustentável de um empreendimento.

A certificação AQUA-HQE se divide, primeiramente, em dois grandes eixos de trabalho: a implementação e a manutenção de um Sistema de Gestão do Empreendimento (SGE) e a implementação de soluções para a Qualidade Ambiental do Empreendimento (QAE). “Baseado nas normas ISO 9001 e ISO 14001, o SGE é a espinha dorsal da certificação, pois é por meio deste sistema de gestão que o empreendedor determina os seus objetivos de qualidade ambiental e faz o planejamento, a execução e o controle da implementação das medidas que permitem alcançar esses objetivos. Já a QAE é o conjunto de objetivos e diretrizes de projeto, obra e operação efetivamente implementados e mantidos no projeto ou plano de operação do empreendimento”, explica Gabriel Bonansea de Alencar Novaes, da Fundação Vanzolini.

A certificação HQE teve origem na França, no início dos anos 2000, a partir de organismos governamentais privados do país (CSTB, Qualitel, Certivé e Cerqual), que visavam aumentar a qualidade dos processos e produtos construtivos do mercado imobiliário francês, incluindo o mercado de edifícios habitacionais.

A experiência brasileira alimentou o próprio processo de revisão da certificação HQE, sendo que, com base nas experiências nacionais, foram compostos os referenciais técnicos internacionais de certificação HQE, aplicáveis ao mundo inteiro, e considerando as especificidades locais de clima, normas, regulamentações, tradições etc. “O próprio AQUA-HQE utiliza o PBE Edifica como base para vários de seus critérios ligados à eficiência energética das edificações”, comenta Gabriel Novaes.

Hoje, os referenciais técnicos da certificação AQUA-HQE possuem o alinhamento completo com os referenciais técnicos da certificação HQE Internacional, levando em consideração todos os aspectos regionais e nacionais da certificação. Sendo assim, os empreendimentos certificados recebem um certificado AQUA de valor nacional e um certificado HQE internacional.

De acordo com dados coletados em agosto de 2021, há 719 edifícios certificados ou em processo de certificação AQUA-HQE no Brasil, sendo 432 residenciais em construção, 231 não residenciais em construção e 56 não residenciais em operação.


Fratele Business Hotel (Certificados no ciclo Edifícios em Operação, AQUA-HQE).

Fonte: site Fratele Business Hotel

Além destes, há 9 empreendimentos de planejamento urbano, 1 loteamento em operação, 1 infraestrutura portuária, 1 projeto de interiores e 6 Empreendedores AQUA, certificados ou em processo de certificação AQUA-HQE no País.


Condomínio Parque Avenida (Certificados no ciclo Edifícios Não residenciais em construção, AQUA-HQE), Odebrecht Realizações Imobiliárias.

Esses empreendimentos certificados ou em processo de certificação AQUA-HQE no Brasil somam mais de 14,4 milhões de m² e mais de 33,6 mil unidades habitacionais.

Dentre os processos, nota-se que a Certificação AQUA-HQE já atingiu todas as regiões do Brasil, em 17 unidades federativas, sendo: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo.

Cases de sucesso

O Brasil já possui diversos empreendimentos sustentáveis, mas vale destacar o case do Anexo FAUrb, que foi selecionado pelo Procel no Edital NZEB Brasil e desenvolvido por alunos e professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPel em 2010. O objetivo foi promover a eficiência energética e, para alcançá-la e obtê-la em uso, movimentou-se outras áreas, como Automação e Inteligência Artificial.

“Em 2010, quando eu ocupava o cargo de diretor da Faculdade, necessitávamos abrigar o Laboratório de Inspeção de Eficiência Energética em Edificações (LINSE), que estávamos criando com apoio da Eletrobras para ser um Organismo Acreditado para emitir a etiqueta PBE Edifica e outras salas de aula. Formou-se uma equipe multidisciplinar e a área de eficiência energética ficou com a equipe do Laboratório de Conforto e Eficiência Energética (LABCEE), sob minha coordenação. E assim surgiu o Anexo FAUrb”, relembra Antonio César Silveira Baptista da Silva.


Anexo FAUrb (hoje, chamado de NZEB UFPel).

O prédio projetado era composto por três pavimentos e uma área total de cerca de 600m². Em 2012, recebeu a Etiqueta Geral Nível A, obtendo nível A também na avaliação da envoltória, iluminação e ar-condicionado. Em 2014, quando foi lançado o Selo Procel para as edificações, este projeto foi um dos sete do País a recebê-lo. Entretanto, não foram conseguidos recursos para construí-lo.

Antonio César da Silva conta que quando surgiu o Edital NZEB Brasil, viu-se uma oportunidade. “Recuperamos o projeto e testamos, por simulação computacional, se havia potencial de ser Near Zero Energy Buildings (NZEB), já que a área de geração na cobertura não era muito grande. Como o projeto já era muito eficiente, não foi difícil atender à demanda de energia com geração fotovoltaica na cobertura, mesmo tendo três pavimentos. Na verdade, os resultados obtidos demonstram que o Anexo FAUrb deverá gerar mais energia do que consome, gerando um balanço positivo de energia”, revela.


Simulação computacional do Anexo FAUrb, que resultou em ganhos significativos em eficiência energética.


O projeto desde o princípio se baseou em arquitetura bioclimática, utilizando estratégias adequadas ao clima da região, muito quente no verão e muito frio no inverno. Para um clima como o brasileiro, nada é mais relevante do que a orientação solar das superfícies da edificação. Buscou-se a orientação norte, que tem pouca incidência de radiação no verão e muita durante o inverno, justamente quando é necessário.

As aberturas, em faces opostas, permitem a ventilação cruzada, enquanto dispositivos de sombreamento horizontais bloqueiam o sol de verão e permitem o ingresso do sol de inverno. Isolamentos na cobertura, paredes e vidros duplos complementam o desempenho associado à massa térmica interna. “Na verdade, é muito simples. Sombrear e ventilar no verão e, no inverno, capturar a radiação solar e armazenar no interior da edificação. Parece complicado adequar estratégias opostas de verão e inverno, mas a orientação norte, naturalmente, nos faculta isso. Daí a qualidade do projeto, definindo o desempenho térmico e energético do edifício”, observa o arquiteto e professor titular da UFPel.

Mas, além do clima, há outro fator extremamente importante no desempenho do edifício: o usuário. Quando foi avaliado o desempenho e o consumo do edifício por simulação computacional, lidou-se com um usuário ideal e fictício, que opta pela ventilação natural antes de ligar o ar-condicionado e pela iluminação natural antes de acender as luzes. É neste contexto que entram a automação predial e a inteligência artificial: reduzir a interferência, por vezes, negativa, do usuário no desempenho do edifício.

A automação é uma importante aliada da eficiência energética do edifício em uso, mas não deve ser entendida pelos profissionais da construção civil como uma forma de “mascarar” maus projetos e torná-los eficientes. “A automação predial age naquele fator que falamos há pouco e que está além do projeto: o usuário. Como se diz, o edifício não consome energia, mas sim as pessoas e, nesse aspecto, a automação pode ser considerada uma estratégia de eficiência energética. Esse foi nosso caso”, avalia Antonio César da Silva.

O projeto arquitetônico adequado ao clima definiu o potencial desempenho do edifício, mas que, para garantir o mesmo desempenho em uso real, seria necessário o usuário ideal, o que é utópico, principalmente em prédios públicos.

Em uma dissertação de mestrado, demonstrou-se, por simulação de um prédio real da UFPel, que usuários comprometidos com a eficiência energética reduzem em cerca de 30% o consumo de energia em relação a usuários descomprometidos, enquanto a automação reduz quase 40%.

No Anexo FAUrb, a automação insere-se como perspectiva de se obter, em uso, a eficiência avaliada por simulação. “Desde 2008, estamos trabalhando com automação e inteligência artificial, e esse projeto será um enorme estudo de campo desta área do conhecimento e seus desdobramentos não só na eficiência energética, mas também na percepção e nas formas de interação com os usuários”, ressalta o especialista.

A inteligência artificial que gerencia a automação estará em constante aprimoramento e novas funções deverão ser desenvolvidas com o tempo. “Em outro projeto, estamos desenvolvendo alguns sensores que também serão instalados junto aos que serão adquiridos. Também temos a pretensão de dar os primeiros passos em direção às tecnologias de smart campus, o que deverá conduzir a outros produtos e sistemas em nossa instituição”, informa Antonio César da Silva.

O projeto do Anexo FAUrb (NZEB UFPEL) é um exemplo de que é possível conceber edificações eficientes financeiramente viáveis. Silva salienta que o projeto foi desenvolvido por alunos e professores, sem grandes dificuldades ou investimentos, o qual alcançou uma eficiência que lhe concedeu o Selo Procel em 2014. “Com algum investimento em geração fotovoltaica, esse prédio de três pavimentos conseguiu não só ser NZEB, mas produzir mais energia do que sua demanda, abatendo custos de outros prédios da Universidade. E isso no clima mais desafiador do País, em função da sazonalidade extrema”, aponta.

E acrescenta: “O Brasil tem um enorme potencial para alcançar excelente eficiência energética nas edificações, se os projetos forem adequados ao clima e as legislações exigirem a qualidade que o consumidor merece. Dá para fazer mais e melhor, sem custos acentuados”.

No momento, estão sendo acertados os detalhes do Termo de Cooperação Técnica com a Eletrobras e assim que for assinado o TCT, haverá um prazo de 24 meses para a conclusão da obra. Ao final, o empreendimento deverá receber a etiqueta de edifício construído, que é definitiva, e talvez, o Selo Procel novamente.

Após a obra, durante dois anos, o Anexo FAUrb estará aberto à visitação pública e seus dados de consumo estarão disponíveis.

Outro case de destaque é o retrofit feito no edifício Novo Mundo, no Castelo, centro do Rio de Janeiro. Trata-se de um prédio histórico, com fachadas tombadas, o qual recebeu, em 2020, a certificação LEED Core and Shell, nível Platinum, reconhecimento concedido pelo Green Building Council Brasil (GBC).

O prédio, construído em 1937 e tombado por sua arquitetura histórica, passou por um completo processo de retrofit. Rosana Correa, arquiteta e urbanista, sócia e co-fundadora da Casa do Futuro e da EnGuia conta que o que lhes permitiu alcançar tais resultados foi a aplicação de metodologia integrada, que aumenta a interação e colaboração entre equipes de projeto. “O ponto interessante é que o público em geral acredita que não é possível certificar retrofits desse tipo ou que o nível de dificuldade é enorme”, comenta.


Edifício Novo Mundo, localizado, no Rio de Janeiro, que recebeu a certificação LEED Core and Shell, nível Platinum, em 2020.

Crédito: Mariana Gioia

Dentre os diferenciais dessa obra estão os cuidados com fachadas tombadas e limitações de um prédio existente e histórico, em que foram utilizadas rodas entálpicas, que realizam a troca de energia térmica entre o ar interno e externo, gerando bons ganhos, além de vidro que tivesse a performance energética desejada, enquanto atendia às exigências estéticas.

O Novo Mundo está entre 5% dos empreendimentos certificados. Possui 16 andares e 12 mil m² de área construída. São três lojas, duas sobrelojas e dois escritórios por andar, sendo o do último um pavimento duplex, configuração definida após o retrofit, com vistas para a Baía de Guanabara e o Pão de Açúcar.

Para conhecer mais cases de sucesso espalhados pelo Brasil, acesse: www.casadofuturo.com/category/portfolio/

IMPORTANTE:

A discussão da temática “Certificação nacional de edifícios” será um dos panos de fundo do XVII Congresso Habitar, no qual será lançada a segunda fase do Projeto Prédio Eficiente, entre os dias 1 e 3 de setembro de 2021, por meio de transmissão online.

Como tema principal, o evento abordará a Integração das novas tecnologias, em que palestrantes de alto nível discutirão assuntos relevantes e atuais, como “Sustentabilidade e Eficiência nas Edificações”, “Projetos Inovadores” e “Monitoramento e Controle na Nuvem”.

As inscrições são gratuitas e podem ser feitas clicando-se aqui. Aproveite e conheça também o novo portal do Projeto Prédio Eficiente: www.predioeficiente.com.br.